29 de dezembro de 2010

as flores que deixei de rastro pelo caminho

Que comece agora.
E que seja permanente essa vontade de ir além daquilo que me espera.
E que eu espero também.
Uma vontade de ser.
Àquela, que nasceu comigo e que me arrasta até a borda pra ver
as flores que deixei de rastro pelo caminho.
Que me dê cadência das atitudes na hora de agir.
Que eu saiba puxar lá do fundo do baú, o jeito de sorrir pros nãos da vida.
Que as perdas sejam medidas em milímetros e que todo ganho
não possa ser medido por fita métrica nem contado em reais.
Que minha bolsa esteja cheia de papéis coloridos
e desenhados à giz de cera pelo anjo que mora comigo.
Que as relações criadas sejam
honestamente mantidas e seladas com abraços longos.
Que eu possa também abrir espaço pra cultivar a todo instante
as sementes do bem e da felicidade
de quem não importa quem seja ou do mal que tenha feito para mim.
Que a vida me ensine a amar cada vez mais, de um jeito mais leve...
Que o respeito comigo mesma seja sempre obedecido
com a paz de quem está se encontrando e se conhecendo com um coração maior.
Um encontro com a vontade de paz e o desejo de viver...

Caio Fernando Abreu

27 de dezembro de 2010

essa lembrança que nos vem

Essa lembrança que nos vem às vezes ...
folha súbita
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança ... mas de onde ? de quem ?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida ...
Ai! Tão perdida
que nem se possa saber mais de quem !!

Mario Quintana

21 de dezembro de 2010

sem limites para os esplendores do destino

“ Com efeito, se fosse possível aos nossos olhos de carne contemplar a consciência alheia, julgaríamos com mais segurança a personalidade de um homem mais pelo que sonha fazer do que pelo que realmente faz. O pensamento supõe vontade; o sonho não. O sonho, que é completamente espontâneo, conserva, mesmo quando irrealizável, o perfil de nossa espiritualidade; nada sai mas diretamente e mais sinceramente do fundo de nossa alma que as nossas aspirações irrefletidas e sem limites para os esplendores do destino. Nessas aspirações, muito mais que nas idéias coordenadas, refletidas, sensatas, pode encontrar-se o caráter de cada homem. Nossas quimeras são as que mais se assemelham a nós. Cada um sonha com o desconhecido e o impossível segundo a própria natureza. “
Cada um sonha com o desconhecido e o impossível segundo a própria natureza ...

Victor Hugo, Os Miseráveis

15 de dezembro de 2010

queremos querer

"O que se quer"
Querer alguém, ou alguma coisa, é muito fácil. Mesmo assim, olhar e sentirmo-nos querer, sem pensar no que estamos a fazer, é uma coisa mais bonita do que se diz. Antes de vermos a pessoa, ou a coisa, não sabíamos que estávamos tão insatisfeitos. Porque não estávamos. Mas, de repente, vemo-la e assalta-nos a falta enorme que ela nos faz. Para não falar naquela que nos fez e para sempre há-de fazer. Como foi possível viver sem ela? Foi uma obscenidade. Querer é descobrir faltas secretas, ou inventá-las na magia do momento. Não há surpresa maior.
O que é bonito no querer é sentirmo-nos subitamente incompletos sem a coisa que queremos. Quanto mais bela ela nos parece, mais feios nos sentimos. Parte da força da nossa vontade vem da força com que se sente que ela nunca poderia querer-nos como nós a queremos. Querer é sempre a humilhação sublime de quem quer. Por que razão não nos sentimos inteiros quando queremos? É porque a outra pessoa, sem querer, levou a parte melhor que havia em nós, aquela que nos faz mais falta. É a parte de nós que olha por nós e nos reconcilia connosco. Quanto mais queremos outra pessoa, menos nos queremos a nós…
Querer é mais forte que desejar, pelo menos na nossa língua. Querer é querer ter, é ter de ter. Querer tem mesmo de ser. Na frase felicíssima que os Portugueses usam, “o que tem de ser tem muita força”. Desejar tem menos. É condicional. Quem deseja, desejaria. Quem deseja, gostaria. Seria bom poder ter o que se deseja, mas o que se deseja não dá vontade de reter, se calhar porque são muitas as coisas que se desejam e não se pode ter todas ao mesmo tempo.
Querer é querer ter e guardar, é uma vontade de propriedade; enquanto desejar é querer conhecer e gozar, é uma vontade de posse. O querer diminui-nos, mas o desejar não. Sabemos que somos completos quando desejamos – desejamos alguém de igual para igual. Quando queremos é diferente – queremos alguém com a inferioridade de quem se sente incapacitado diante de quem parece omnipotente. O desejo é democrático, mas o querer é fascista.
O que desejamos, dava-nos jeito; o que queremos fez-nos mesmo falta. Mas tanto desejar como querer são muito fáceis. Ter, isto é, conseguir mesmo o que se quer é mais difícil. E reter o que se tem, guardando-o e continuando a querê-lo, tanto como se quis antes de se ter, é quase impossível. Há qualquer coisa que se passa entre o momento em que se quer e o momento em que se tem. O que é?
“Cada pessoa, – dizia Oscar Wilde, – acaba por matar a coisa que ama”...
Mata-a, se calhar, quando sente que a tem completamente. (…)
A verdade, triste, é que uma pessoa completa, a quem não falta nada, não é capaz de querer outra pessoa como deve ser. No momento em que se sente que tem o que quer, foi-lhe devolvida a parte que lhe fazia falta e passou a ter tudo em casa outra vez. Fica peneirenta, sente-se gente outra vez. É feliz, está satisfeita e deixou de ser inferior à sua maior necessidade. O ter destrói aquilo que o querer tinha de bonito. Uma necessidade ocupa mais o coração, durante mais tempo, que uma satisfação. Querer concentra a alma no que se quer, mas ter distrai-a. Nomeadamente, para outras coisas e outras pessoas que não se têm. (…)
É bom que se continue a julgar que aquilo de que se precisa é exterior a nós. Só quem está voltado sobre si, piscando o olho ao umbigo, pode achar que tem tudo o que precisa. (…)
Quando se quer realmente, dar-se-ia tudo por ter. A coisa ou a pessoa que se quer têm o valor imediato igual a todas as coisas e pessoas que já se têm. Trocavam-se todas as namoradas, ou todos os namorados, que já se namoraram, pelo namoro de uma única pessoa que se quer namorar. É esta a violência. É esta a injustiça. Mas é esta também a beleza. Quem aceitaria que um novo amor significasse apenas parte de uma vida? Não sendo a vida inteira, não sendo tudo o que importa, numa dada altura, num dado estado do coração, porque nos havíamos de ralar? (…)
O querer é bonito porque, concentrando-se na coisa ou na pessoa que se quer, elimina o resto do mundo. O resto do mundo é uma entidade muito grande que tem graça e tem valor eliminar. Querer um homem em vez de todos os outros homens, uma mulher em vez de todas as outras mulheres é fazer a escolha mais impossível e bela. Acho que se pode ter tudo o que se quer de muitas pessoas ao mesmo tempo, mas que não se pode querer senão uma pessoa. Ter todas as pessoas não chega para nos satisfazer, mas basta querer só uma, e não a ter, para nos insatisfazer. É por isso que se tem de dar valor à vontade. Poder-se-á querer ter alguém, sem querer também ser querido por essa pessoa? Eu não sei.
Como raramente temos o que queremos ter ou queremos bem ao que temos, é boa ideia dar uma ideia da atitude que se pretende. Em primeiro lugar, convém mentalizarmo-nos que querer é desejável só por si, pelo que querer significa. Quem tem tudo e não quer nada é como quem é amado por todos sem ser capaz de amar ninguém. Dizer e sentir “eu quero” é reconhecer, da maneira mais forte que pode haver, a existência de outra pessoa e de nós. Eu quero, logo existes. Eu quero-te, logo existo.
Em segundo lugar, ter também não é tão bom como se diz. Ter alguém ocupa um espaço vital que às vezes é mais bonito deixar vazio. (…)
Ter o que se quis não é tão bom como se diz, nem querer o que não se tem é assim tão mau. O segredo deve estar em conseguir continuar a querer, não deixando de ter. Ou, por outras palavras, o melhor é continuar a ser querido sem por isso deixar de ser tido. O que é que todos nós queremos, no fundo dos fundos? Queremos querer. Queremos ter. Queremos ser queridos. Queremos ser tidos. É o que nos vale: afinal queremos exactamente o que os outros querem. O problema é esse.

Miguel Esteves Cardoso

9 de dezembro de 2010

saudade

"Também temos saudade do que não existiu. E dói bastante."

(Carlos Drummond de Andrade)

6 de dezembro de 2010

o mistério com que embrulha todas as coisas ...


"Em todas as idas e vindas, obscuramente eu sempre sabia:
embora tudo mude, nada muda por que tudo permance aqui dentro,
e fala comigo, e me segura no colo quando eu mesma não consigo sustentar...
E depois me solta de novo, para que eu volte a andar pelos meus próprios pés.
A "vida" é mãe nem sempre carinhosa, mas tem uma vara de condão especial:
o mistério com que embrulha todas as coisas, e algumas deixa invisíveis..."
(Lya Luft)

5 de dezembro de 2010

o.lhar

essa sou eu...eu mesma !

Eu sou o que penso, sou o que sou e o que quero ser.
Sou família, sou filha, sou irmã e namorada.
Eu sou o tudo. Eu sou o nada.
Sou a sorte do que tenho e do que possuo. O azar do que a vida não me trouxe e eu desejei.
Sou um verme que um dia quis ser astro e tão depressa se tornou estrela.
Sou mais uma pecadora, com tamanha fé.
Sou um mundo de maldades e um paraíso de boas acções. Sou um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas.
Sou o meu reflexo num canto de paisagem, ou numa miragem, onde tu não podes ver.
Sou a alegria de quem me ama, a tristeza de quem me odeia e a ocupação de quem me inveja.
Sou uma folha em branco, ou um caderno completo.
Sou os livros que li e os textos que já te escrevi.
Sou os momentos que passei e os que ainda quero passar, eu sou os brinquedos com que brinquei, e os amigos que conquistei. As fábulas em que acreditei e os jogos que inventei.
Sou o amor que dei, o que dou e o que continuarei a dar. Sou os amores que tive, as viagens que fiz e as que quero fazer.
Sou todos os desportos que pratiquei, e aquele em que sempre continuarei por ser mais que lazer, é prazer. Sou a minha disciplina preferida, a minha comida predilecta, sou o cheiro que me seduz, a cor que me apaixona, a bebida que me refresca.
Essa sou eu...eu mesma, será que vais entender?
Sou o ódio resguardado, sou os sonhos realizados, os objectivos alcançados.
Eu sou o meu interior, mas também o meu exterior.
Sou um conjunto de factores que tu não podes entender.
Sou a saudade, os abraços que já dei, eu sou o passado, mas também o presente e o futuro.
Eu sou os meus actos.
Sou o perfeito, mas também sou o imperfeito.
Sou o contraste e a contradição.
Sou a complexidade do mundo.
Sou o que ninguém vê ...

Paula Fernandes e Sousa

29 de novembro de 2010

até nos silêncios

Viajo por que preciso ... volto porque te amo !
 Essa frase ... aliás o nome de um filme nacional ... me tocou profundamente e só arrematou algumas idéias que andavam bailando na minha cabeça já há algum tempo.
Volto porque "te amo" é a demonstração mais sincera do que se aproxima do amor real ...
Porque se formos analisando a vida e as pessoas ... são gestos generosos que nos constroem amáveis. Assim consigo entender porque amo minha mãe. Nela percebi o gesto mais generoso que alguém pode ter em toda vida ... emprestar o corpo e a propria vida para gerar outra vida !!! Não tenho como não ama-la ... ela é generosa com a vida, porque me colocou no mundo não esperando algo em troca ... simplesmente me deixou nascer para "ser"...
Amo meu pai porque anos a fio ele me deu tudo e continua dando o que um ser humano dentro das suas possibilidades pode dar para o outro ... sem pedir nada em troca ...
Amo profundamente alguns dos meus amigos ... porque em muitas situações eles foram tão generosos comigo ... em gestos ... atitudes ... delicadeza e até silêncios e nunca me pediram nada em troca e nem reclamam de mim ...
Amo meus sobrinhos ... porque eles me dão um carinho alegre e tão gratuito que nao consigo entender nem porque me amam ...
Enfim ......... pra justificar toda essa colocação em relação ao "Viajo por que preciso ... volto porque te amo"  consegui entender que essa frase é a tradução do que é o amor ... viajar é necessário para gente "ser" ... mas voltar por amor ... também é !!!

16 de novembro de 2010

a raça dos desassossegados

À raça dos desassossegados pertencemos todos, negros e brancos, ricos e pobres, jovens e velhos, desde que tenhamos como característica desta raça comum, a inquietação que nos torna insuportavelmente exigentes com a gente mesmo e a ambição de vencer não os jogos, mas o tempo, este adversário implacável. Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete constante, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade. Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam. Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam ao concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam. Desassossegados não podem mais ver o telejornal que choram, não podem sair mais às ruas que temem, não podem aceitar tanta gente crua habitando os topos das pirâmides e tanta gente cozida em filas, em madrugadas e no silêncio dos bueiros. Desassossegados vestem-se de qualquer jeito, arrancam a pele dos dedos com os dentes, homens e mulheres soterrados, cavando uma abertura, tentando abrir uma janela emperrada, inventando uns desafios diferentes para sentir sua vida empurrada, desassossegados voltados pra frente. Desassossegados desconfiam de si mesmos, se acusam e se defendem, contradizem-se, são fáceis e difíceis, acatam e desrespeitam as leis e seus próprios conceitos, tumultuados e irresistíveis seres que latejam. Desassossegados têm insônia e são gentis, lhes incomodam as verdades imutáveis, riem quando bebem, não enjoam, mas ficam tontos com tanta idéia solta, com tamanha esquizofrenia, não se acomodam em rede, leito, lamentam a falta que faz uma paz inconsciente.
Desta raça somos todos, eu sou, só sossego quando me aceito.

Fernando Pessoa

3 de novembro de 2010

o azul não me cansa

Olho o céu com paciência. O azul não me cansa.
Uma ave voando não significa que está partindo.
Uma ave voando pode estar regressando.

Fabício Carpinejar

26 de outubro de 2010

nos encerra em seu oval perfeito ???

"Não adianta correr nem se debater, pois o tempo come as beiradas da gente, corta e recorta e rói, cobre e recobre, e nos encerra em seu oval perfeito – e como os mortos, hibernamos..."
Lya Luft
Apesar do tempo realmente passar e desfazer nossas ilusões em relação a aquilo que pensamos que um dia seriamos ... eu não quero hibernar !!!! Estou viva ... vivíssima !!!

24 de outubro de 2010

ao que faz nossos olhos brilharem menos...

 "Em muitos trechos do caminho, às vezes bem longos, carregamos muito peso na alma sem também notar.
A gente se acostuma muito fácil às circunstâncias difíceis que às vezes podem ser mudadas.
A gente se adapta demais ao que faz nossos olhos brilharem menos.
A gente camufla a exaustão.
A gente inventa inúmeras maneiras para revestir o coração com isolamento acústico para evitar ouvi-lo.
A gente faz de conta que a vida é assim mesmo e ponto.
A gente arrasta bolas de ferro e faz de conta que carrega pétalas só pra não precisar fazer contato com as nossas insatisfações e agir para transformá-las.
A gente carrega tanto peso, no sentimento, um bocado de vezes, porque resiste à mudança.
Até o dia em que a alma, cansada de não ser olhada, encontra o seu jeito de ser vista e de dizer quem é que manda..."

Ana Jácomo



16 de outubro de 2010

a cada manhã, ao acordar ...

Não quero viver como uma planta que engasga e não diz a sua flor.
Como um pássaro que mantém os pés atados a um visgo imaginário.
Como um texto que tece centenas de parágrafos sem dar o recado pretendido.
Que eu saiba fazer os meus sonhos frutificarem a sua música.
Que eu não me especialize em desculpas que me desviem dos meus prazeres.
Que eu consiga derreter as grades de cera que me afastam da minha vontade.
Que a cada manhã, ao acordar, eu desperte um pouco mais para o que verdadeiramente me interessa...

Ana Jácomo

26 de setembro de 2010

abra a janela para o sol ou a penumbra...

"Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis quanto meu ciclo etílico bukovskiano. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma coisa como eu sou o outro ser ao conjunto teu, mas não sou tu, e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor, quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho carente, tigre e lótus."

Caio F. Abreu
assim ... minha boca de areia seca e minha mão crispada de solidão
seguem no eterno ciclo do tanto faz ...

24 de setembro de 2010

equilíbrio no fio da navalha

...Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens..."

Vinícius de Moraes

14 de setembro de 2010

a gente não precisa de certezas estáticas

Olhando daqui, percebo que pessoas e circunstâncias tiveram um propósito maior na minha vida do que muitas vezes, no momento de cada uma, eu soube, pude, aceitei, ler. Parece-me, agora, que cada uma, no seu próprio tempo, do seu próprio modo, veio somar para que eu chegasse até aqui, embora algumas vezes, no calor da emoção da vez, eu tenha me rendido à enganosa impressão de que veio subtrair.
A vida tem uma sabedoria que nem sempre alcanço, mas que eu tenho aprendido a respeitar, cada vez com mais fé e liberdade. O tempo, de vento em vento, desmanchou o penteado arrumadinho de várias certezas que eu tinha, e algumas vezes descabelou completamente a minha alma. Mesmo que isso tenha me assustado muito aqui e ali, no somatório de tudo, foi graça, alívio e abertura. A gente não precisa de certezas estáticas. A gente precisa é aprender a manha de saber se reinventar. De se tornar manhã novíssima depois de cada longa noite escura. De duvidar até acreditar com o coração isento das crenças alheias.
A gente precisa é saber criar espaço, não importa o tamanho dos apertos.
A gente precisa é de um olhar fresco, que não envelhece, apesar de tudo o que já viu. É de um amor que não enruga, apesar das memórias todas na pele da alma.
A gente precisa é deixar de ser sobrevivente para, finalmente, viver.
A gente precisa mesmo é aprender a ser feliz a partir do único lugar onde a felicidade pode começar, florir, esparramar seus ramos, compartilhar seus frutos.

 Ana Jácomo



27 de agosto de 2010

mínima linha vazia

Vim pelo caminho difícil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esquina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha.

Paulo Leminsky

16 de agosto de 2010

coisas que nos distraem

"O essencial é aquilo que, se nos fosse roubado, morreríamos. O que não pode ser esquecido. Substância do nosso corpo e da nossa alma... Os poetas são aqueles que, em meio a dez mil coisas que nos distraem, são capazes de ver o essencial e chamá-lo pelo nome. Quando isto acontece, o coração sorri e se sente em paz..."
(Da crônica intitulada: As Coisas Essenciais - de Rubem Alves, do livro: O Retorno e Terno)

14 de agosto de 2010

das pessoas e das coisas...

Ninguém sabe como,
mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas...       
      Caio F. Abreu

12 de agosto de 2010

para não abrir mão de se sentir feliz

Tomara que a gente não desista de ser quem é por nada nem ninguém deste mundo.
Que a gente reconheça o poder do outro sem esquecer do nosso. Que as mentiras alheias não confundam as nossas verdades, mesmo que as mentiras e as verdades sejam impermanentes.
Que friagem nenhuma seja capaz de encabular o nosso calor mais bonito. Que, mesmo quando estivermos doendo, não percamos de vista nem de sonho a ideia da alegria.
Tomara que apesar dos apesares todos, a gente continue tendo valentia suficiente para não abrir mão de se sentir feliz.
Caio Fernando Abreu

porque ele é sempre inspiração ...

5 de agosto de 2010

no Centro do Furacão

Vórtice, voragem, vertigem: qualquer abismo nas estrelas de papel brilhante no teto.
Queria tanto poder usar a palavra voragem. Poder não, não quero poder nenhum, queria saber. Saber não, não quero saber nada, queria conseguir. Conseguir também não - sem esforço, é como eu queria. Queria sentir, tão dentro, tão fundo que quando ela, a palavra, viesse à tona, desviaria da razão evitaria o intelecto para corromper o ar com seu som perverso. A-racional, abismal. Não me basta escrevê-la - que estou escrevendo agora e sou capaz de encher pilhas de papel repetindo voragem voragem voragem voragem voragem voragem voragem sete vezes ao infinito até perder o sentido e nada mais significar - não é dessa forma que eu a desejo. Ah essa palavra de desgrenhados cabelos, enormes olhos e trêmulas mãos. Melodramática palavra, de voz roiuca igual à daquelas mulheres que, como dizia John Fante, só a adquirem depois de muitos conhaques emuitos cigarros... Eu quero sê-la, voragem...
Espio no dicionário seu significado oficial, tentativa inútil de exorcizar o encantamento maligno. O que leio, inquieta ainda mais: "Aquilo que sorve ou devora". E vejo um redemoinho lamacento de areias movediças à superfície do qual uma única mão se crispa. Vórtice, penso, numa vertigem. Repito, hipnotizado: vertigem, vórtice, voragem. "Qualquer abismo" - continuo a ler. Os abismos de rosas, os abismos de urzes, e aqueles abismos à beira do qual duas crianças correm perigo, protegidas pelas sas do Anjo da Guarda.
Os abismos de estrelas falsas no falso céu do teto do meu quarto, os abismos de beijos e desejos, o abismo onde se detém o rei daquela história zen para abrir o anel que lhe deu o monge, onde está guardado o condão capaz de salvá-lo - e o condão é a frase: "isto tambèm passará".
Sim, leio então: "Tudo que subverte ou consome" - paixões, ideologias, ódios, feitiçarias, vocações, ilusões, morte e vida. Essas outras palavras de maiúsculas implícitas - vorazes, voragem, abismais.
Eu estava lá, no centro do furacão. E repito as palavras que são e não são minhas enquanto o porteiro do edifício em frente toca violão e canta, e a chuva desaba outra vez, e peço: por favor, me socorre, me socorre que hoje estou sentido e português, lusitano e melancólico. Me ajuda que hoje eu tenho certeza absoluta que já fui Pessoa ou Virgínia Woolf em outras vidas, e filosófo em tupi-guarani, enganado pelos búzios, pelas cartas, pelos astros, pelas fadas. Me puxa para fora deste túnel, me mostra o caminho para baixo da quaresmeira em flor que eu quero encostar em seu tronco o lótus de mil pétalas do topo da minha cabeça tonta para sair de mim e respirar aliviado de por um instante não ser mais eu, que hoje não me suporto nem me perdôo de ser como sou e não ter solução. Me ajuda, peço, quando Excalibur afunda sem volta no lago.
Ela se debruça sobre mim, me beija com sua grande boca vermelha movediça.
Tenho medo mas abro minha boca para me perder.
Ela repete baixinho em meus ouvidos nomes cheios de sangue - Galizia, Ana Cristina, Júlio Barroso - enquanto contemplo o céu no teto do meu quarto, girando intergaláctico em direção a ER-8, a estrela de 10 bilhões de anos, o cadáver insepulto para sempre da estrela perdida nos confins do Universo. Choro sozinho no escuro, você não enxuga as minhas lágrimas. Você não quer ver a minha infância. Solto nesse abismo onde só brilham as estrelas de papel no teto, desguardado do anjo com suas mornas asas abertas. Você não me ouve nem me vê, e se ouvisse e visse não compreenderia quando eu abrir os braços para Ela e saudar, amável e desesperado como quem dá boas-vindas ao terror consentido: voragem, voragem.
Voragem, vórtice, vertigem: ego. Farpas e trapos.
Quero um solo de guitarra rasgando a madrugada.
Te espero aqui onde estou, abismo, no centro do furacão. Em movimento, águas...
Caio Fernando

20 de julho de 2010

sentimentos são sempre uma surpresa




Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso:
não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho…
o de mais nada fazer.

Clarice Lispector

14 de julho de 2010

é hora de fazer um pedido


...é hora de fazer um pedido...

"Algo ESTÁ acontecendo e é mais real do que qualquer um de nós possa imaginar."
Uma Realidade Maior está sendo inserida nas nossas vidas diárias. “A minhoca finalmente olha para cima” em direção às estrelas e é transformada para sempre. Uma união está acontecendo entre os nossos amplos Eus cósmicos e os nossos corpos físicos. Isto transforma o nosso DNA e nos permite finalmente nos tornarmos vivos cheios de energia e totalmente reais.
Da próxima vez que você ver o 11:11, pare e sinta as energias sutís ao seu redor. O 11:11 é um chamado que você enviou para si mesmo. Um lembrete do seu verdadeiro propósito aqui na Terra.
Geralmente em tempos de energia elevada ou mudanças pessoais aceleradas você perceberá o 11:11 com maior freqüência. Ver os Números Mestre 11:11 é SEMPRE uma confirmação de que você está no caminho certo.
O 11:11 é a ponte
entre dualidade e Unidade.
É o nosso caminho para o Desconhecido.

9 de julho de 2010

maior que todos os ventos contrários

Se amanhã o que eu sonhei não for bem aquilo, eu tiro um arco-íris da cartola.
E refaço. Colo. Pinto e bordo.
Porque a força de dentro é maior.
Maior que todo mal que existe no mundo.
Maior que todos os ventos contrários. É maior porque é do bem.
E nisso, sim, acredito até o fim ...
Caio Fernando Abreu




coragem

... só preciso de coragem ...

3 de julho de 2010

o que ela quer da gente

Como disse Guimarães Rosa:
"A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem..."

2 de julho de 2010

longas e silenciosas

Não haverá borboletas se a vida
não passar por longas e silenciosas metamorfoses …

Rubem Alves

26 de junho de 2010

comece de novo

O perigo existe, faz parte do jogo
Mas não fique triste, que viver é fogo
Veja se resiste, comece de novo
Comece de novo, comece de novo

Vinicius de Moraes

22 de junho de 2010

mapa

" quero o mapa das nuvens e um barco bem vagaroso..."

Mario Quintana

21 de junho de 2010

era quase

" não fosse isso
e era menos
não fosse tanto
e era quase"

Leminski
... e hoje tô assim, sentindo por aquilo que não foi ...

La flor más grande del mundo

18 de junho de 2010

olhos e o coração é que se podem ler

As palavras proferidas pelo coração não tem língua que as articule, retém-nas um nó na garganta e só nos olhos é que se podem ler.

José Saramago
... sei que é obvio, mas tinha que deixar minha homenagem ...

16 de junho de 2010

hoje eu aprendi

É preciso saber sentir, mas também saber como deixar de sentir...

Clarice Lispector
... porque algumas vezes algumas coisas doem e a gente nem sabe explicar porquë??...

acordamos com a senhora desilusão

Sei que todos algum dia acordamos com a senhora desilusão sentada na beira da cama. Mas a gente vai à luta e inventa um novo sonho, uma esperança, mesmo recauchutada: vale tudo menos chorar tempo demais. Pois sempre há coisas boas para pensar. Algumas se realizam. Criança sabe disso...

Lya Luft

14 de junho de 2010

posso escolher

"Se, ao acordar, posso escolher uma roupa, posso escolher também o sentimento que vai vestir meu dia. Se, no percurso, posso errar o caminho posso também escolher a paisagem que vai vestir meus olhos. A mesma articulação que tenho para reclamar, tenho para agradecer. E, se posso me adornar com a alegria, não é a tristeza que eu vou tecer. Que hoje e sempre, seja mais um belo dia!"

Marla de Queiroz

10 de junho de 2010

dias melhores

O que virá depois? - pergunto então para a tarde suja atrás dos vidros, e me sinto reconfortado como se houvesse qualquer coisa feito um futuro à minha espera..."

Morangos Mofados - Caio Fernando Abreu

8 de junho de 2010

a poesia está contida nisso tudo

"Se eu gosto de poesia?
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor.
Acho que a poesia está contida nisso tudo."

Carlos Drummond de Andrade

4 de junho de 2010

quem nada compreende, nada vale

Quem nada conhece, nada ama.
Quem, nada pode fazer, nada compreende.
Quem nada compreende, nada vale.
Mas quem compreende também ama, observa, vê...
Quanto mais conhecimento houver inerente numa coisa
tanto maior o amor...
Aquele que imagina que todos os frutos
amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas,
nada sabe a respeito das uvas.

PARACELSO

3 de junho de 2010

ninguém quer dor

Uma alegria que me faz quase acreditar que sou possível ...

1 de junho de 2010

be nice

Evite a dispersão, foque-se em alguns alvos e deixe o resto para lá...
" mantra do resto do ano ..."

30 de maio de 2010

que o tempo nunca leve

"Que tudo seja leve de tal forma que o tempo nunca leve."
A vida não é uma sonata que, para realizar a sua beleza, tem de ser tocada até o fim. Ao contrário, a vida é um álbum de mini-sonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade. Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira.

Rubem Alves

29 de maio de 2010

é o mal, é o bem?

O que você tem feito?
Tem feito a cabeça,
As idéias,
Os sonhos de alguém?
Qual é mesmo o seu jeito,
Objeto, sujeito espírito,
Matéria,
Já chegou a ninguém?
Inventou sua quimera?

É o mal, é o bem?
Tem juízo perfeito,
Acredita em vida eterna?
Disse ou não disse amém?
Vai ficar,
Ou é de férias
Que você vem?

Ando com a cabeça cheia
Penso por demais da conta
Olha que a coisa tá feia
A qualquer hora alguém te apronta

Tantas pontas desatadas
Rolos que não tem mais fim
Não dá pra saber de tudo
Nada é tão claro assim

Ando com a cabeça cheia
É melhor esvaziar
O que pesa mais é o sonho
E no pensamento ele não tem lugar.
Alice Ruiz

28 de maio de 2010

não me façam ser quem não sou

Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, porque, sinceramente, sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre.
Clarice Lispector

27 de maio de 2010

se quisermos capturar os peixes grandes

"As ideias são como peixes. Se quisermos capturar peixes pequenos, podemos ficar pelas águas pouco profundas. Mas, se quisermos capturar os peixes grandes, temos de ir mais fundo. Nas águas profundas, os peixes são mais poderosos e mais puros. São enormes e abstractos. E são muito bonitos ".
David Lynch

25 de maio de 2010

ver a distância aumentar

Uma das coisas mais tristes na vida é olhar alguém, que acabou de deixá-lo, ir embora. Ver a distância entre vocês aumentar, até só restar vazio e silêncio...

19 de maio de 2010

não passou

Passou?
Minúsculas eternidades
deglutidas por mínimos relógios
ressoam na mente cavernosa.

Não, ninguém morreu, ninguém foi infeliz.
A mão - a tua mão, nossas mãos -
rugosas, têm o antigo calor
de quando éramos vivos. Éramos?

Hoje somos mais vivos do que nunca.
Mentira, estarmos sós.
Nada, que eu sinta, passa realmente.
É tudo ilusão de ter passado.

Carlos Drummond de Andrade

18 de maio de 2010

a profundeza do teu ser

O que for a profundeza do teu ser, assim será teu desejo.
O que for o teu desejo, assim será tua vontade.
O que for a tua vontade, assim serão teus atos.
O que forem teus atos, assim será teu destino. 

Brihadaranyaka Upanishad 

... mantra da semana e da vida sempre ...

14 de maio de 2010

que as vidas são como os quadros

" Tomou nota das moradas, depois apontou o que teria de comprar, um mapa grande da cidade, um cartão grosso do mesmo tamanho onde fixá-lo, uma caixa de alfinetes de cabeça colorida, vermelhos para serem percebidos à distância, que as vidas são como os quadros, precisaremos sempre de olhá-las quatro passos atrás, mesmo se um dia chegamos a tocar-lhes a pele, a sentir-lhes o cheiro, a provar-lhes o gosto. "
Todos os Nomes - José Saramago

10 de maio de 2010

amadurecer parece algo sombrio

"Às vezes é preciso recolher-se. O coração não quer obedecer, mas alguma vez aquieta; a ansiedade tem pés ligeiros, mas alguma vez resolve sentar-se à beira dessas águas. Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir. É um começo de sabedoria, e dói. Dói controlar o pensamento, dói abafar o sentimento, além de ser doloroso parece pobre, triste e sem sentido. Amar era tão infinitamente melhor; curtir quem hoje se ausenta era tão imensamente mais rico. Não queremos escutar essa lição da vida, amadurecer parece algo sombrio, definitivo e assustador. Mas às vezes aquietar-se e esperar que o amor do outro nos descubra nesta praia isolada é só o que nos resta. Entramos no casulo fabricado com tanta dificuldade, e ficamos quase sem sonhar. Quem nos vê nos julga alheados, quem já não nos escuta pensa que emudecemos para sempre, e a gente mesmo às vezes desconfia de que nunca mais será capaz de nada claro, alegre, feliz. Mas quem nos amou, se talvez nos amar ainda há de saber que se nossa essência é ambigüidade e mutação, este silencio é tanto uma máscara quanto foram, quem sabe, um dia os seus acenos."
Lya Luft

9 de maio de 2010